O
brasileiro Mozer Rhian Oliveira, de 27 anos, está no centro do mais recente
caso de heroísmo que levou os chineses a questionar por que há poucos “bons samaritanos” no país.
Na sexta-feira, o gaúcho impediu que uma chinesa fosse furtada na rua, mas
atraiu a fúria do ladrão e seus comparsas, que o agrediram enquanto cerca de 50
pessoas olhavam impassíveis, sem tentar ajudá-lo. Oliveira levou 15 pontos na
testa e foi recompensado pelo governo com 50 mil yuans (R$ 15,2 mil), como
parte da campanha oficial que tenta inspirar os chineses a praticar boas ações.
O país vive uma crise de consciência desde outubro, quando uma menina de dois
anos, Yueyue, foi atropelada duas vezes em Foshan e não recebeu socorro de
nenhuma das 18 pessoas que passaram pelo local. A criança foi levada ao
hospital depois que uma catadora de lixo a retirou da rua e encontrou sua mãe.
Mas ela morreu alguns dias mais tarde.
Na
sexta-feira à noite, o brasileiro atravessava a rua na faixa de pedestres
quando viu o ladrão com a mão dentro da bolsa de uma mulher, identificada como
Zhu. Oliveira bateu nas costas do homem com seu guarda-chuva (fechado). O
ladrão reagiu e logo dois comparsas apareceram e o atingiram no braço com a
fivela de um cinto de segurança.
O
gaúcho correu para a portaria do prédio onde trabalha e pela qual passa ao
menos quatro vezes ao dia. Quando se abaixou para pegar uma placa na tentativa
de se proteger, foi atingido na testa por uma barra de ferro. A cena foi assistida
por várias pessoas que o conhecem, entre elas o guarda do prédio, mas ninguém
veio a seu socorro. As agressões só terminaram quando os ladrões viram sua
cabeça sangrando e fugiram.
O
ato heroico transformou Oliveira em uma celebridade na cidade de Dongguan, na
província sulista de Guangdong (Cantão), que concentra a maior comunidade de
brasileiros do país, quase todos trabalhando na indústria calçadista.
Ontem,
ele recebeu a visita de 20 oficiais dos governos municipal e provincial e foi
agraciado com uma placa de honra ao mérito, além de receber a recompensa em
dinheiro. Também concedeu entrevistas à imprensa local. “Os representantes do
governo me disseram que o povo chinês deve seguir o exemplo dos estrangeiros e
também ajudar o próximo”, disse Oliveira
ao Estado.
Dias
depois do atropelamento da menina de dois anos, uma uruguaia atirou-se no Lago
Oeste da cidade de Hangzhou para salvar uma chinesa que se afogava, enquanto os
turistas locais tiravam fotos da cena, sem ajudá-la. Em março, um homem estrangeiro
foi a única pessoa a socorrer uma mulher no aeroporto de Pudong, em Xangai,
depois de ela ter sido esfaqueada pelo próprio filho.
No clima
de crise moral, até atos banais como a da mulher ocidental que ajudou um chinês
caído na rua em Xian ganharam destaque na internet chinesa. Milhões de
comentários feitos online desde o
caso de Yueyue criticam omissão dos chineses diante de problemas alheios e
questionam as razões da apatia.
Alguns
apontam o fato de que os “bons samaritanos” podem ser responsabilizados pelo
que vier a ocorrer com a vítima e citam o infame precedente de uma decisão dada
por um juiz na cidade de Nanquim em 2006. O episódio envolveu um homem chamado
Peng Yu, que socorreu e levou ao hospital uma mulher idosa que havia caído na rua.
Dias depois a família o acusou de ter provocado o acidente e pediu uma
indenização. O juiz responsável pelo caso o condenou, com um argumento que
justifica a lógica da omissão: “Peng deve ser culpado. Do contrário, por que
ele estaria disposto a ajudar?” A decisão foi revista depois da enorme
indignação popular que provocou, mas Peng ainda foi obrigado a pagar 10% das
despesas hospitalares da mulher.
A
escritora Lijia Zhang, autora do livro A
Garota da Fábrica de Mísseis, acredita que a indiferença tem raízes mais
profundas. “Na nossa cultura, há uma
ausência de disposição de mostrar compaixão por estranhos”, escreveu em seu
blog após o caso de Yueyue. “Nós somos educados para mostrar bondade às pessoas
de nossa rede de guanxi, parentes, amigos e sócios, mas não particularmente a
estranhos, especialmente se tal bondade puder potencialmente afetar seus
interesses”, ressaltou.
Os
oficias que o visitaram ontem perguntaram a Oliveira por que ele agiu para
impedir o furto. “Eu disse que sou
cristão e acredito no amor ao próximo. Além disso, gostaria que alguém ajudasse
minha mãe e minha irmã caso enfrentassem a mesma situação”, afirmou.
Nota:
Você sabe de onde vêm os conceitos de “bom samaritano” e de ajuda ao próximo,
seja ele quem for. Pelo visto, as palavras e o exemplo de Jesus estão fazendo
muita falta a uma nação conhecida pela pujança econômica, militar e tecnológica, mas carente de uma religião que lhes ensine o valor
mais básico e mais importante de todos: o amor desinteressado. Quem sabe alguns
pedestres tenham pensado que aquele era o “carma” da assaltada e do agredido..